Reflexões sobre a Formação Monástica por D. Armand Veilleux, OCSO
[Texto de artigo publicado no A.I.M.
Monastic Bulletin (nº 59) sobre o tema da formação monástica. Trata-se
do curto sumário de um curso que dou no Collegio Sant’Anselmo em Roma a
cada dois anos sobre o mesmo assunto. O artigo foi escrito em Francês, e
a tradução inglesa publicada no A.I.M. Monastic Bulletin traiu o
original em muitos locais. Eis a tradução revista que ao menos é mais
próxima do original]
I. Imagem de Deus
omos
criados à imagem e semelhança de Deus, mas feridos pelo pecado,
precisamos que esta imagem seja restaurada dentro de nós. Este é o
objetivo último da vida cristão e assim também, da vida monástica.
O Filho de Deus, que estava in forma Dei,
não temeu renunciar a sua condição privilegiada; humilhou-se a si mesmo
(Fil 2, 6-7), tornando-se um de nós, semelhante a nós exceto no pecado
(Hb 4,15). Consentiu em perder sua forma, sua beleza. Desfigurou-se a
ponto de não mais ser reconhecível (Is 53,2). Provou a morte. Mas o Pai o
ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita, e o fez Kyrios
(Fil 2,9). Deste modo, a nós foi mostrado o caminho de retorno à Imagem.
Tendo sido deformados pelo pecado, precisamos reformar-nos de tal modo a
ser gradualmente transformados na imagem do Cristo ressuscitado.
Esta transformação final, através de um longo
processo de reforma, ou conversão, é o objeto da formação monástica.
Esta formação deve ser entendida em primeiro lugar, não no sentido de
uma atividade exercida por um formador humano sobre outra pessoa, mas no
sentido de uma transformação gradual e constante, nunca plenamente
realizada, de uma pessoa que, usando dos meios oferecidos pela
conversatio monástica, permite ao Espírito Santo que restaure dentro de
si a imagem desfigurada e a semelhança perdida.
O tema da Imagem de Deus é central na
espiritualidade do monaquismo primitivo. Esta doutrina, que vem de Gen
1,26, é muito cara a todos os Padres da Igreja que se dedicaram a
pesquisar o mistério da salvação. Cada um deles o fez de um modo
diferente, mas com a liberdade que é encontrada entre poetas e místicos,
e assim esta doutrina se tornou muito complexa e foi apresentada com
sentidos com muito diferentes matizes. Pode ser resumida como se segue: O
homem foi criado à imagem (imago) e à semelhança (similitudo) de Deus.
Como criatura privilegiada, foi chamado a partilhar da vida divina.
Estas condições foram revertidas pelo pecado, mas o homem retém a
capacidade de se voltar para Deus (capacitas Dei). Mediante a graça da
Redenção e em imitação de Jesus Cristo, o homem é capaz de participar na
vida divina. Se sua predisposição para Deus (imago) se desenvolve e se
manifesta numa vida contínua de virtude, move-se para a semelhança
(similitudo) e acha sua realização em tornar-se a imagem de Deus.
Quando falamos de formação monástica,
geralmente queremos dizer formação inicial. Esta, porém, pode ser
considerada apenas um elemento ou estágio no processo total de
transformação que acabamos de descrever. O objetivo da formação
monástica, em todos os seus estágios, não é nada menos do que a
restauração da imagem de Deus no monge. É uma transformação progressiva
que engloba toda a vida. Para realizar esta caminhada de transformação, o
homem tem um modelo, um protótipo: o Verbo, que é a perfeita Imagem do
Pai, e que São Bernardo denominou de sacramentum salutis.
Nenhum dos Padres do monaquismo de fato
escreveu sobre "formação" - ao menos no sentido que entendemos a palavra
hoje. Entretanto, vemos de seus escritos que eles entendiam claramente
que seu papel, quer como abades ou pais espirituais, era o de fazer
nascer Cristo em seus discípulos. Sabiam que para levar esta tarefa à
sua realização, deveriam levar seus monges à imitação de Cristo. Na
verdade, é através da imitação de Cristo que o monge torna gradualmente
mais ativa na sua vida esta semelhança que recebeu no momento de sua
criação, e que a imagem de Deus dentro dele é restaurada.
A idéia segundo a qual alguém forma um outro
na vida monástica, como se treina um doutor ou um professor, vem de uma
concepção totalmente moderna. Esta abordagem era completamente estranha
aos Padres do Monaquismo. Para eles, a vida monástica não era uma
realidade em que alguém podia formar outrem, mas ao contrário, era um
meio, ou melhor, um conjunto abrangente de meios, pelos quais uma pessoa
permitia a outra ser formada. É vivendo a vida monástica que alguém se
torna cada vez mais um monge e gradualmente permite a si mesmo ser
transformado na imagem de Cristo.
II. No contexto cenobítico
Quando os anacoretas dos primeiros séculos
foram para o deserto, buscavam pôr-se sob a direção de um pai espiritual
que já tinha tido a experiência do deserto e que demonstrara a
influência do Espírito em sua pessoa, uma pessoa que havia se tornado
pneumatophoros. Este pai espiritual carismático do deserto passava sua
própria experiência a seus discípulos à maneira de um guru. A relação de
pai para filho ou de mestre para discípulo era em geral provisória,
vindo ao término quando o discípulo havia alcançado suficiente
maturidade espiritual para continuar seu próprio caminho por si mesmo na
solidão.
O carisma dos padres do cenobitismo, de um
Pacômio ou de um Basílio, por exemplo, era o de formular uma forma
estável de vida comunitária, uma politeia, de acordo com uma regra
estabelecida através da qual a experiência espiritual seria no futuro
passada adiante. Achamos aqui uma autêntica cultura monástica que
expressa uma identidade coletiva que capacita todos aqueles que dela
participam alcançar sua própria identidade pessoal.
A cultura deve ser entendida aqui como um
complexo coerente de ensinamento espiritual, tradições ascéticas,
costumes, observâncias, organização administrativa, etc., que exprimem
uma experiência espiritual, conservam-na viva e passam-na adiante. Uma
cultura implica a coesão e consistência de todos os elementos da vida.
Tal cultura é sempre, e por excelência, o fruto da experiência de uma
coletividade. Um indivíduo não inventa sua cultura. O papel dos santos,
místicos e gênios, assim como de poetas, artistas ou teólogos, é dar
expressão à experiência que lhes foi passada e conservada viva através e
na sua cultura.
No meio cenobítico, é essencialmente dentro e
através da forma da própria vida comunitária que a experiência
monástica é passada adiante e que a formação do monge se dá, desde sua
entrada no mosteiro até que ele morra. São Bento está dentro desta
grande tradição cenobítica e é aqui que os monges da tradição cenobítica
devem buscar os princípios básicos da formação monástica e não numa
espiritualidade com uma orientação eremítica.
Quando Bento, no primeiro capítulo de sua
Regra, descreve as diferentes categorias de monges, define o
poderosíssimo gênero dos cenobitas como aqueles que vivem a) em
comunidade; b) sob uma regra; c) sob um abade. Temos aqui os três
pilares do cenobitismo e a ordem na qual Bento os menciona é da maior
importância. A história nos ensina que cada vez que o equilíbrio entre
estes três elementos é quebrado, segue-se um período de decadência.
Comunidade, regra, abade. Estes são os três
elementos essenciais da conversatio beneditina e é vivendo por eles em
cada estágio de sua existência monástica que o monge gradualmente se
torna um monge verdadeiro, e que sua formação - ou transformação -
ocorre no sentido mencionado acima.
1) A comunidade
Na grande tradição beneditina e
cisterciense, a vocação de uma pessoa não é um chamado a viver a vida
monástica em geral ou mesmo a vocação a uma congregação particular. É o
chamado a uma comunidade concreta de irmãos que constitui uma célula
eclesial. É aqui que, após uma provação adequada, promete sua
estabilidade; e é com estes irmãos, a menos que a obediência lhe dê
outra missão, que ele experimentará o mistério de salvação na Igreja até
o fim de seus dias.
A modalidade na qual cada comunidade concreta
vive esta comunhão, esta koinonia, tem uma influência muito profunda
sobre o desenvolvimento humano e espiritual do monge através de sua
existência. Além de todos os "meios de formação" que oferece a seus
membros, a comunidade como tal tem um papel da maior importância na
formação.
Uma comunidade pode adequadamente cumprir
este papel somente com a condição que tenha desenvolvido uma sólida
cultura monástica local. Tal cultura monástica implica uma visão clara
comum da vida monástica e uma orientação espiritual que condicione, que
"informe" (no sentido aristotélico) todos os elementos da vida diária: o
modo de rezar, de trabalhar, de tomar as decisões da comunidade, de
receber os hóspedes etc.
Se tal visão comum, tal cultura existe, o
papel dos "formadores" (abade, padre mestre, professores) consistirá
essencialmente de ajudar os monges, antes de tudo os recém-chegados,
participar nela e a permitir-se ser formados por ela, e fazê-la sua de
modo responsável e criativo. Se isto não existe, todas as "técnicas" de
formação que possam ser usadas (cursos, encontros, aconselhamento, etc.)
terão, em geral, pouco resultado.
A comunidade monástica não é simplesmente um
lugar onde nós praticamos a ascese pessoal. É um local onde buscamos a
vontade de Deus juntos. Bento desejava que todos os irmãos fossem
convocados sempre que algo importante tinha de ser discutido: convocet
abbas omnem congregationem (RB 3:1), omnes ad consilium vocari (RB 3:3).
Isto não é um simples exercício do poder da maioria, ou de democracia
antes de seu tempo. Significa que todos devem se reunir para escutar o
que o Espírito Santo está dizendo a cada pessoa para o bem de todas.
Mesmo se é o abade que tem a responsabilidade final de tomar uma
decisão, o capítulo conventual é a ocasião para cada pessoa exercitar um
ato de co-responsabilidade comunitária e assim, crescer na compreensão
de sua própria responsabilidade.
Uma comunidade sadia é também um lugar de
crescimento emocional e afetivo. As relações pessoais que são capazes de
se desenvolver no coração da vida comunitária são tanto uma escola que
capacita uma relação profunda com Deus e uma expressão sacramental
daquela relação. Uma vez que a comunidade cristã incorpora uma nova
maneira de considerar as relações humanas, elas são vistas e vividas
como uma expressão sacramental do mistério da Igreja. Estamos lidando
com algo muito mais profundo do que um vago sentimento comunitário.
Ainda assim deve-se tomar cuidado para não cair na armadilha de uma
unanimidade muito estrita, que termina por privar os indivíduos de sua
identidade pessoal.
A vida fraterna capacita as pessoas a se
conhecerem a si mesmas nos encontros da vida diária e a descobrir a
necessidade própria de conversão. Logo reconhecemo-nos a nós mesmos como
uma comunidade de pecadores que foram todos perdoados. Esta vida
fraterna dá também a possibilidade de ser transformado através da
prática da caridade fraterna.
Uma vida comunitária sadia é o lugar onde
podemos aprender a ler e a interpretar a realidade não só em nós mesmos
mas também em torno de nós, e a penetrar no seu centro. Uma autêntica
vida contemplativa não consiste em retirar-se da realidade para viver
num mundo artificial ou puramente espiritual. Consiste em retirar-se
para o centro, para o coração de toda realidade. Uma vida comunitária
sadia nos ajuda a avaliar com serenidade a informação variada que
recebemos, os diferentes acontecimentos através dos quais vivemos.
Ajuda-nos a ir para além de nossas projeções subjetivas e nossos desejos
conscientes ou inconscientes.
A inflexibilidade de posições e nas análises
pessoais da realidade constituem em muitos casos um obstáculo que
retarda o crescimento humano e espiritual. Um monge que continua a
crescer normalmente na vida comunitária deve ser uma pessoa que sempre é
capaz de se adaptar, de modificar suas opiniões e atitudes. Sabe que
tem de lidar com os conflitos inevitáveis inerentes à existência humana e
sabe como viver com paz de coração as tensões inerentes em toda vida
comunitária. Uma vida comunitária sadia capacita-o gradualmente a
adquirir uma atitude de compreensão, compaixão e simpatia para todos. Um
monge que se transforma num caçador de heresias é um tanto anormal.
Na comunidade, o monge aprende a unificar sua
vida. No mundo, uma pessoa pode facilmente viver numa série de vidas
paralelas. Há por exemplo o homem de negócios, o profissional, ou o
político, que conservam todos eles uma completa separação entre suas
vidas profissionais e sua vida familiar ou entre sua vida profissional e
sua prática religiosa. Para o monge, isto seria impossível. Um monge
pode, em verdade, ter responsabilidades em sua comunidade e mesmo fora
do mosteiro, mas todas as suas atividades formam parte de sua vida
monástica, ele as faz como monge. De outro modo o elemento central do
ser do monge estaria faltando, isto é, a simplicidade, que consiste em
ter um único objetivo, uma única preocupação na vida.
2) A Regra
Cristo se fez obediente, com uma obediência
através da qual sua vontade se identificou totalmente com a do Pai. É
por este caminho de obediência, em imitação de Cristo, que o monge
permitirá que o Espírito gradualmente restaure a imagem de Deus dentro
dele. O que queremos aqui dizer é obviamente a obediência à vontade
divina; mas esta obediência se encarna em toda ação da vida diária.
O Evangelho é a fonte de inumeráveis "formas
de vida". Fez nascer numerosas maneiras de seguimento do Cristo. Os
fundadores do cenobitismo receberam o carisma de uma interpretação
existencial do Evangelho. Quando este carisma foi vivido de modo
consistente dentro de um grupo, foi traduzido numa regra. Quando se
entra numa comunidade cenobítica, torna-se parte de uma tradição, de uma
interpretação viva do Evangelho. Escolhe-se livremente este "modo de
vida" dentre muitos outros modos possíveis. Para Bento é tão importante
que esta escolha seja feita de modo livre e claro que ele quer que sua
Regra seja lida três vezes por inteiro ao candidato durante o ano que
precede seu compromisso com a comunidade. É de fato esta Regra que, se
vivida honesta e autenticamente, formará e transformará o monge.
A vida comum e a Regra que lhe dá estrutura
são os meios para alcançar o amor de Deus no amor dos irmãos, preferindo
o bem da comunidade à vontade própria; a vontade divina como expressa
na Regra e colocada em prática nas situações concretas pelo superior
para o bem de si. Da mesma maneira, a obediência mútua, da qual Bento
fala, é vivida como um serviço e assim como um exercício de união de
vontades que levam à pureza de coração e à visão de Deus.
A Regra, para o monge contemporâneo, não é só
o texto de São Bento, mas também as Constituições próprias da
Congregação monástica à qual ele pertence e os regulamentos escritos ou
orais de sua comunidade local. Toda esta "legislação" não é uma simples
"lei": é a expressão objetiva da identidade própria de uma comunidade ou
de um grupo de comunidades. Assim como se adquire uma identidade
cultural particular em permitir-se ser formado pela própria cultura ou
em integrar-se numa outra cultura, da mesma forma ocorre em ser
gradualmente formado por uma cultura monástica, integrando-se numa
comunidade, e assim assumindo a visão particular daquela comunidade,
desenvolvendo uma identidade monástica pessoal. O sinal de uma vocação
verdadeira é a capacidade do candidato assumir deste modo a identidade
coletiva de sua comunidade enquanto se torna mais e mais ele mesmo.
3) O Abade
Na tradição beneditina o abade, que
representa Cristo em sua comunidade, é o pai espiritual, mestre e
curador. Seu papel é obviamente muito diferente daquele dos superiores
das comunidades religiosas com tradições mais recentes. Se é justo que
seja um irmão entre irmãos, ele contudo não deve esquecer que foi
chamado a ser um pai - não porque os outros devem ser como crianças ou
adolescentes ante ele, mas porque tem a responsabilidade de fazer Cristo
nascer neles.
Como um pai, o abade deve, por sua parte,
mostrar a seus monges a gentileza e a bondade de Cristo, buscando ser
antes amado do que temido, adaptando-se ao caráter de cada um e
encorajando os irmãos a percorrer com alegria e com corações dispostos o
caminho no qual eles foram chamados por Deus. O monge, por outro lado,
deveria saber como conservar através de sua vida uma relação filial
adulta em relação ao seu abade, quaisquer que sejam suas idades
respectivas. Se ocorrer que um monge, depois da profissão, só vê em seu
abade alguém a quem deve obedecer em assuntos realmente importantes, é
provável que ele não esteja crescendo mais como monge (mesmo se tem uma
grande aptidão humana e a usa para o bem da Igreja e da comunidade).
Não é raro, em nosso dias, que um noviço
busque recriar no mosteiro a família que deixou para trás, ou que, em
muitos casos, nunca teve, tendendo a identificar a figura paterna com
autoridade e a figura materna com a comunidade. Tal atitude impede um
crescimento verdadeiro pois consiste simplesmente em reproduzir o modelo
familiar.
Se a relação entre o monge e o abade não for
vivida numa maneira adulta e aberta, trará uma atitude passiva de
insegurança e temor. A vida monástica implica uma separação de laços
familiares. Laços de natureza semelhante não devem ser recriados no
ambiente monástico. Uma comunidade deve ser um lugar de pessoas com um
forte desejo de caminhar juntas para a vida eterna, e não um útero
materno protetor. A sociedade hoje em dia infelizmente não nos prepara
para esta relação sadia com a autoridade e a lei. Quer toda autoridade é
negada, com uma séria falha de qualquer tipo de respeito, ou a
segurança é buscada numa autoridade forte que decide sobre todos os
assuntos.
Como mestre na escola de Cristo, o abade é o
guardião da fidelidade dos discípulos à tradição monástica. Para que a
regra e a tradição não se tornem letra morta, deve interpretá-las
continuamente, de modo dinâmico. Alimenta seus monges pela palavra e
exemplo. Dá-lhes a comer o pão da Palavra de Deus, interpretada para a
comunidade a cada novo momento de sua evolução.
Como curador, deve curar de suas feridas e
curar os irmãos feridos pelo pecado. Deve também ser um pai a quem se
vai nos momentos de crise pessoal.
O abade é o pai, o mestre e o curador de
todos os membros de sua comunidade. Mesmo se existe um mestre de noviços
e um mestre de jovens professos, o abade não pode renunciar a seu papel
de pai para eles. Nas comunidades modernas ativas, onde há um noviciado
para uma província ou mesmo para toda a congregação, o noviço não tem
outro superior imediato exceto seu padre mester; ele será designado a
uma outra casa da congregação após sua profissão. Na vida beneditina,
onde não se entra numa congregação mas num determinado mosteiro, o abade
é o pai de todos, incluindo os noviços. Não pode renunciar às suas
responsabilidade mesmo se delegar uma boa parte delas ao padre mestre.
Assim é essencial que exista uma visão comum
entre o padre mestre e o abade. Se o padre mestre tenta formar uma nova
comunidade diferente do resto da comunidade ou com uma orientação
monástica diferente daquela do abade, seus esforços estão fadados quase
certamente ao fracasso. O abade tem a responsabilidade última pela
formação dos noviços como por todos os outros membros de sua comunidade.
O padre mestre, seu delegado, simplesmente tem o dever de acompanhar os
noviços mais de perto em sua caminhada monástica e proporcionar-lhes o
necessário ensinamento no início de sua vida monástica.
A maturidade de um monge (noviço ou professo)
depende numa grande extensão de sua capacidade de estabelecer uma
relação sadia com a comunidade, a regra e o abade.
III. Os elementos principais da ascese monástica
Dentre os muitos elementos que constituem a
conversatio monástica vivida em comunidade, sob uma regra e um abade, há
três aos quais São Bento dá uma importância particular e que têm um
especial valor formativo: o Opus Dei, a lectio divina e o trabalho. Mas
ainda mais fundamental é o papel da Cruz na vida do monge.
1) Aprender a Cruz
O monge entra no mosteiro para seguir a
Cristo, e retornar pelo caminho da obediência ao Pai de quem se separou
pela desobediência (Prol. RB). Foi mediante o sofrimento que o próprio
Filho de Deus aprendeu a obediência (Hb 5,8). Não há outro modo par ao
cristão que deseja seguir a Cristo, e além disto Cristo é bastante
explícito nos Evangelhos com relação às exigências de tal seguimento:
"Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga."
É aqui que achamos a primeira atitude que
deve ser encontrada em quem vem ao mosteiro. Está o candidato pronto a
aceitar a Cruz? Então, durante os primeiros anos de vida monástica, deve
ser guiado e ajudado a aceitar este caminho difícil. Bento deseja que
previnamos o recém-chegado muito claramente, desde o início, das coisas
duras e difíceis pelas quais se vai a Deus (RB 58,8).
Por vezes acontece que nossas comunidades
tenham a triste experiência de ver um monge, que parecia excelente,
deixá-la logo após sua profissão solene. Em quase todos os casos, o que
faltava era esta formação na Cruz. O monge estava feliz na vida
monástica enquanto achava agradáveis os arredores onde poderia
florescer, onde seus talentos eram apreciados, onde desenvolvia suas
capacidades, etc. Mas assim que ocorre uma tribulação séria, assim que
encontra a cruz, tudo cai por terra.
Isto deve ser relacionado ao tema da
inculturação. A verdadeira inculturação não consiste em integrar todas
as atitudes que pertençam a uma cultura no Cristianismo ou na vida
monástica; consiste em cristianizar cada cultura. O mistério da cruz
salvadora pertence ao Cristianismo e desafia todas as culturas. Devemos
aprender e reaprender este fato todos os dias.
Sem aceitar a Cruz, nenhum dos elementos da
ascese monástica têm sentido. Mas se o monge a aceita com alegria,
forma-lo-á por toda sua vida.
2) O Opus Dei
A oração monástica estritamente falando é a
oração contínua. É preparada pela leitura, estudo e meditação sobre a
Palavra de Deus; em comunidade é expressa no Opus Dei e abre-se para a
lembrança da presença de Deus tão contínua quanto possível. O Opus Dei,
além de ser uma expressão comunitária de oração, é também uma escola de
oração. Lá o monge aprende continuamente, através de sua vida, a louvar a
Deus, a chorar por seus pecados, a interceder ante Deus por si mesmo e
por toda a humanidade, a contemplar todos os aspectos do mistério da
salvação.
O Opus Dei não pode ser entendido,
entretanto, fora do mundo sacramental em sua integridade enquanto o
monge é conformado à imagem de Cristo na celebração eucarística, curado
de suas feridas no sacramento da reconciliação, fortalecido a cumprir
suas responsabilidades por várias bênçãos, e finalmente preparado a
passar de modo positivo através das crises da vida e acima de tudo, para
a última passagem pelo sacramento dos doentes.
3) Lectio (e estudos)
É interessante notar que na literatura
cristã primitiva, ao menos até o tempo de São Bento, a expressão "lectio
divina" sempre quis dizer a própria Sagrada Escritura e não uma
atividade humana empreendida e que tenha a Escritura como seu objeto. Se
alguém deseja traduzir esta expressão, deveria ser "lição divina" e não
"leitura divina". A Sagrada Escritura não ensina o monge mas o
transforma no seu contato diário com ela. Sua vida toda deve ser
enraizada nesta lectio divina, nesta "lição divina" que ele lê, examina,
estuda, interpreta e medita sem cessar, sem construir compartimentos
estanques destas diferentes atividades. Se o monges se deixa
gradualmente ser permeado pela Escritura, ela o forma, gradualmente
fazendo dele um verdadeiro contemplativo, isto é, não necessariamente
alguém que tenha o que se chama de experiências "místicas", mas uma
pessoa que vê Deus em tudo e considera tudo à luz de Deus.
Deve-se saber como se desembaraçar de teorias
contemporâneas que tornam a "lectio divina" um tipo de "leitura"
especial e assim transformam-na numa observância dentre outras, mesmo se
ela for considerada como a mais importante. Se a lectio divina é
tornada uma atividade especial que deve ser realizada num tempo
específico do dia e durante um período estabelecido, isto se torna mais
uma observância que por isto mesmo perde a gratuidade que a caracteriza.
Também se arrisca a esvaziar o resto do dia e das outras atividades da
dimensão de atenção amorosa a Deus se se tenta concentrar nesta
observância especial.
O monge deve aprender, desde o início de sua
vida monástica, a escutar tão intimamente quanto possível a Deus. Deve
deixar-se ser penetrado, desafiado, transformado pela Palavra de Deus
que vem a ele à medida que ele lentamente lê e saboreia a Escritura,
através de seu estudo científico da Palavra, através de sua leitura ou
estudo dos Padres, através do seu trabalho e de seus encontros com os
irmãos. Se o monge desenvolve esta atitude, parece artificial uma
distinção muito marcada entre a lectio divina e o estudo da Escritura e
dos Padres ou qualquer outra leitura. Tal distinção pode mesmo ser
perigosa, pois leva à diminuição dos estudos.
O estudo tem seu lugar na vida do monge. Para
que um monge viva direito sua vida monástica, ele necessita aprender
muitas coisas. Como a Escritura é a Regra básica da vida monástica, como
se disse, e a principal fonte da liturgia, o monge deve receber uma
iniciação apropriada na Bíblia desde o início de sua vida monástica.
Deve ser formado a ler a Escritura de modo contemplativo, mas deve
também conhecer os principais Livros Sagrados, os diferentes níveis de
interpretação, etc. Deve ser introduzido à tradição monástica, sua
história e espiritualidade. Deve ter uma boa formação na doutrina cristã
e ser introduzido aos Padres. Esta formação é necessária para todos,
embora possa haver muitas formas diferentes. Em alguns mosteiros, quando
há um grupo de noviços em que todos têm uma boa educação básica, esta
formação pode ser dada através de um ciclo de cursos bem organizados.
Noutros casos, o sistema tutorial pode ser julgado preferível. Alguns
aproveitarão de uma abordagem científica enquanto outros acharão mais
fácil uma abordagem mais simples. Nem todos têm as mesmas necessidades
ou as mesmas capacidades intelectuais. Entretanto, deve-se saber como
discernir a motivação dos candidatos que, muitas vezes nos dias de hoje,
querem uma vida muito simples, "sem estudos". A sede de "aparições" e
de acontecimentos extraordinários, que se acha em certas comunidades,
muitas vezes vem de um conhecimento insuficiente do essencial da
mensagem cristã.
Uma comunidade deve saber como estabelecer um
programa de estudos que seja parte de seu programa geral de formação.
Parte deste programa é realizada no noviciado e monasticado. O resto é
estudado pelo resto da vida.
Um certo anti-intelectualismo, que pode ser
achado em mais de um mosteiro hoje em dia, é talvez em parte uma reação,
pois muitos "formadores" tinham uma tendência a tornar toda a formação
monástica uma série de cursos. Por várias décadas agora, nas Ordens
monásticas, os Padres do monaquismo têm sido muito estudados. Nós os
ensinamos aos noviços e aos jovens professos. Não estou certo de que os
resultados são sempre os que esperávamos. Por que isto?: Talvez porque
damos aos jovens monges muito desta literatura antes que tenham
adquirido uma identidade monástica que os capacite a assimilá-la no
nível pessoal e a permitir-lhes ser formada por ela ao invés de
estudá-la.
O padre mestre ideal seria um homem que,
tendo assimilado perfeitamente a tradição monástica ele próprio, possa
então fielmente passar seu conteúdo sem sequer ter de citar um dos
padres do monaquismo. Tomemos um exemplo. Os Padres de Cister no século
12 que conheciam bem os Padres Gregos e Latinos, e foram formados por
eles, nunca pareciam ter de "ensiná-los". Pode-se mesmo dizer que jamais
ensinaram a Escritura, mesmo se a conheciam de cor, citavam-na
constantemente e por vezes usavam o artifício literário de comentar um
Livro da Escritura como modo de passar seu ensinamento espiritual. Eles
passaram sua experiência viva. Os Padres, como a Escritura, revelam
verdadeiramente seu segredo se eles são lidos dentro do contexto de uma
cultura monástica que encarna os mesmos valores. Assim, mais uma vez,
vemos a importância de desenvolver uma cultura monástica que incorpora
todos os elementos da vida. E um deles é o trabalho.
4) Trabalho
Para São Bento, o trabalho é um elemento
essencial da vida monástica. "Serão verdadeiros monges se viverem do
trabalho de suas mãos" (RB 48:8). O trabalho, quer manual, quer
intelectual, e em alguns casos, pastoral, é o contexto no qual a
capacidade criativa ou a habilidade de colaborar com os outros e com
Deus se torna evidente. O monge deve aprender a trabalhar seriamente no
serviço da comunidade ou, em nome da comunidade, no serviço da Igreja e
da sociedade.
O trabalho não preenche o papel de formar uma
pessoa se é de caráter amadorístico ou se se torna, como facilmente
ocorre, uma ocasião de busca de poder e de expressão da vontade própria.
Numa comunidade monástica, o trabalho tem tal
impacto sobre a atmosfera geral da comunidade e afeta o equilíbrio em
tal extensão que o abade não pode deixá-lo ao celeiro ou organizar a
vida material da comunidade por si mesmo. É sua responsabilidade ver que
o trabalho seja organizado de tal modo que contribua para o crescimento
monástico dos monges, quer jovens, quer velhos.
IV. Os estágios de formação
Embora a formação seja um processo que dura a
vida toda, como insistimos nas páginas precedentes, este processo ainda
apresenta muitos estágios diferentes, cada qual com seus desafios, suas
graças e seus problemas. Neste curto artigo, não podemos analisar cada
um deles em detalhe, mas gostaríamos de ao menos enumerá-los e mencionar
alguns de seus aspectos mais significativos. Há os estágios iniciais,
quando o postulante e o noviço estão em grande necessidade de direção e
de ajuda, ou quando o jovem professo tem muito a aprender. Há o período
central da vida durante o qual cresce-se por meio das responsabilidades a
que se dedica cada um na comunidade. Há também crises em cada período, e
finalmente, a última crise da idade avançada e da morte. Mas em
primeiríssimo lugar vem o período de discernimento da vocação antes da
entrada à comunidade.
1) O período de discernimento
Não entramos num mosteiro para experimentar a
vida, para ver se ele nos agrada ou se somos capazes de responder às
suas exigências. Entramos para viver a vida monástica. Baseada numa
experiência secular, a legislação eclesiástica introduziu diversos
períodos sucessivos no compromissos monástico antes que um compromisso
definitivo seja feito. Entretanto, se o candidato só vem para "ver" e
não com a firme decisão de entregar-se completamente à vida monástica
desde o início, tem pouca chance de permanecer.
Este é o motivo pelo qual o discernimento
antes da entrada é tão importante. Aceitar candidatos sem este
discernimento não é serviço a eles, nem à Igreja, nem à comunidade. Um
discernimento sério é, ao contrário, um serviço à Igreja.
Quando alguém se apresenta ao mosteiro,
devemos primeiro achar suas razões para vir. Em muitos casos, os
candidatos não têm inteira consciência de seus verdadeiros motivos, e
assim, devemos muitas vezes ajudá-los a discernir seus motivos por um
tempo relativamente longo. Não é raro que alguém venha com um tipo de
vocação "genérica" à vida religiosa ou mesmo à vida cristã. Ou talvez
tenha tido uma súbita conversão e deseje se dar completamente a Deus; ou
tenha recebido uma intensa graça de oração e deseje se consagrar a uma
vida de oração; ou às vezes um sacerdote ou um religioso ativo engajados
pesadamente no ministério que lhe deixa muito pouco tempo livre anseia
pela oração contemplativa. Em todos estes casos, devemos ajudá-los a
discernir se Deus realmente os está chamando à vida monástica ou se Deus
não os está chamando a aprofundar os valores cristãos de que eles
sentem grande necessidade na situação em que se encontram.
Outro aspecto do discernimento consiste em
ver se o candidato possui a necessária capacidade de permanecer no
certame que lhe é proposto: suficiente saúde física e psíquica, uma vida
disciplinada ou ao menos uma capacidade para tanto, constância, etc.
Aqueles que foram feridos pela vida de modo particular: infância
infeliz, experiência sexual prematura e negativa, insucesso do
casamento, etc., precisam de uma atenção especial. Se não desenvolveram
já uma atitude positiva em relação a todos estes sofrimentos, o
discernimento verdadeiro consistirá em ajudá-los a curar suas feridas o
suficiente antes que entrem no mosteiro. Embora a comunidade monástica
possa legitimamente ser considerada como uma comunidade terapêutica no
sentido que nós todos fomos feridos pela vida, se não por nossos
próprios pecados, e que a comunidade é uma situação normal para o
crescimento humano, tanto psicológico quanto espiritual, é necessário um
equilíbrio suficiente e saúde para ser capaz de tirar completo proveito
dela. Alguns cujas feridas necessitam ajuda de um psicólogo
profissional deveriam receber tal terapia antes de entrar no noviciado.
Tal terapia requer toda a energia psíquica de uma pessoa, e o mesmo
exige a formação do noviciado. As duas coisas raramente podem ser
assumidas ao mesmo tempo.
Uma comunidade sólida com uma longa tradição
monástica pode receber mais facilmente candidatos cuja vocação monástica
ainda esteja em dúvida. O discernimento final pode facilmente ser feito
vivendo a vida. Mas isto não é possível numa comunidade recente e
pequena. Neste caso, a identidade da comunidade não é suficientemente
estabelecida de tal modo a que um candidato possa rapidamente descobrir
ou confrontar-se com ela, se ele está então no lugar certo ou não; e,
por outro lado, a presença de um ou mais candidatos sem uma verdadeira
vocação monástica forçará o padre mestre a dar tempo precioso a
problemas que nada têm a ver com a vida monástica, e as vocações reais
serão negligenciadas.
Entre os falsos motivos que levam alguém ao
mosteiro, há em primeiro lugar, a busca de segurança material. É claro
que aí se asseguram três refeições diárias e de um teto assim como dos
serviços médicos necessários em caso de doença . Este motivo
provavelmente não desempenhará um papel importante no caso de países do
primeiro e segundo mundos, mas continuará a operar nas Igrejas Jovens.
Parece-se como a busca de uma ascensão social.
Num tempo de grande insegurança em todos os
níveis como o atual, não é raro que alguém venha ao mosteiro buscando
segurança psicológica e espiritual. Nada há de errado nisto, se não é
esta a motivação principal. Acima de tudo, devemos rapidamente ajudar os
jovens a encontrar sua segurança numa relação de confiança com Deus e
não no suporte artificial de estruturas rígidas e de observâncias
antiquadas. Não deveríamos transformar nossos mosteiros em campos de
refugiados culturais.
Uma grande parte da assim chamada literatura
"espiritual" faz uma confusão infeliz entre "deixar o mundo" no sentido
joanino, e voltar as costas contra a cultura de hoje. Se alguém vem ao
mosteiro porque acha que o mundo está doente e é mau, e deseja deixá-lo
para achar sua salvação no claustro, é melhor devolvê-lo ao mundo e
ajudá-lo a amar este mundo doente, como Deus o amou. Só então deveria
voar para o deserto, como o fizeram os Padres do Deserto, não por medo
da luta, mas precisamente para lutar contra as forças do Mal que estão
trabalhando não só no mundo em geral, mas também e sobretudo em seu
próprio coração.
Algumas pessoas vêm ao mosteiro após ter dito
a experiência de um tipo particular - carismático ou outro - da
comunidade cristã com uma espiritualidade particular e um sentimento
muito forte de fraternidade. Em princípio esta pode ser uma excelente
preparação para a vida comunitária, mas por vezes acontece que isto cria
problemas, se a "vida comunitária" é identificada come sta forma
particular. Estas pessoas então acham que não existe "vida comunitária"
na comunidade em que entraram, pois não encontram a mesma intensidade de
companheirismo coletivo que conheceram anteriormente. Há uma
intensidade de relacionamento fraterno que pode ser experimentada em
encontros de fins de semana mas que não se perpetua todo o tempo sem dar
indigestão.
O mesmo princípio pode ser aplicado às várias
formas de oração que alguém possa ter experimentado antes de sua
entrada no mosteiro. Há por vezes o perigo de identificar a "oração" com
uma ou outra destas formas. Um sinal de vocação será a capacidade de
assumir um estilo de oração tipicamente monástico: isto é dizer o Opus
Dei por um lado e uma oração pessoal nutrida pela lectio divina, por
outro.
2) Postulantado
Mesmo se isto não está explicitamente
previsto pelo Direito Canônico (canon 5972, embora fale da preparação
adequada antes da entrada no noviciado), muitas comunidades têm um
postulantado, um período de tempo que pode variar bastante de acordo com
o costume.
Infelizmente, contudo, este postulantado tem
sido muitas vezes usado para ensinar os elementos da doutrina cristã
(que deveriam ter sido ensinados antes da entrada) ou para iniciar o
ensinamento do noviciado. Isto tira do postulantado seu próprio caráter
peculiar como importante momento de transição.
A entrada no mosteiro é, de fato, um momento
importante na vida de uma pessoa. Marca a transição de um estilo de vida
a outro. Esta transição se inicia por uma separação física e afetiva
das atividades e dos relacionamentos pessoais nos quais a identidade
pessoal do candidato foi em grande extensão construída até aquele
momento. Se ele teve a graça de uma vida familiar feliz e muitos amigos,
esta separação é ainda mais profundamente sentida.
Uma vez que ele deixou uma forma de vida sem
estar completamente integrado noutra, é normal que o postulante
experimente um sentimento de alienação, isto é de não pertença, e sinta
um vazio profundo, e por vezes, uma espécie de frustração. Trata-se de
um tempo de morte e ressurreição em que é confrontado com o significado
de todas as suas experiências prévias, de tudo aquilo pelo qual se
tornou a pessoa que é agora, de todos aqueles que deixou e que continua a
amar (família, amigos etc.)
O padre mester deve estar consciente de tudo o
que os postulantes estão experimentando neste momento. Mas seria um
grave erro privá-los deste tempo de ‘luto’. Atravessar este luto da
maneira mais adequada e consciente é da maior importância para o resto
da vida monástica. Seria um grave erro preencher estes primeiros dias - e
mesmo todo o postulantado - com inúmeras atividades, encontros,
conferências para "encher" o tempo dos postulantes. Seria privá-los da
possibilidade de conscientemente fazer esta passagem através do deserto.
O postulantado, desta maneira, não deveria
ser um tempo em que alguém ministra cursos e conferências, exceto
aquelas estritamente necessárias para integrá-los na vida diária da
comunidade. É um tempo de acostumá-los gradualmente a viver na vida
monástica. O postulantado deveria ser uma descoberta da nova "situação"
na qual ele agora vive, da comunidade, a Regra e o abade.
3) O noviciado e o monasticado
Embora o discernimento vocacional continue
durante o noviciado, não se trata em primeiro lugar de um tempo de
discernimento, uma vez que se aceita no noviciado aqueles em que se
acredita ter já discernido uma vocação monástica. Trata-se de um tempo
de crescimento e de amadurecimento, sob a direção de um mester:
crescimento no conhecimento e aceitação de si mesmo, crescimento nas
relações comunitárias, crescimento acima de tudo no relacionamento
pessoal com Deus.
Para levar a cabo isto dever-se-ia ajudar o
noviço a aprofundar sua vida de oração, e a nutrir-se com a Palavra de
Deus. Gradualmente é colocado em contato com a grande tradição monástica
e com o ensinamento dos grandes mestres espirituais para ajudá-lo a
definir sua própria identidade espiritual.
O monasticado com freqüência visto somente
como tempo de estudo, pois este tem necessariamente um papel importante,
é em primeiro lugar, o tempo em que o jovem monge se enraíza na
comunidade pelo início do exercício de alguma responsabilidade, e quando
se prepara para o compromisso definitivo.
Não nos demoraremos sobre estes dois
importantes períodos da formação inicial, o noviciado e o monasticado,
pois são o objeto de muitos estudos especializados.
4) Crises
No início da vida monástica, o noviço tem
geralmente um sentimento de bem-estar pessoal. Não é raro ouvir alguém
dizer que durante seu noviciado nunca se sentiu tão bem em toda sua
vida. Mas também ocorre que, mesmo durante o noviciado, ou alguns anos
depois, o sofrimento emirja da consciência de problemas pessoais que se
pensava resolvido muito tempo antes e agora aparecem com uma nova
intensidade. Se, durante estes primeiros anos fica-se constantemente
imerso nos estudos ou em outras atividades agradáveis, esta "crise" pode
ocorrer muito mais tarde. Pode ocorrer agudamente depois da profissão
solene ou, no caso de monges sacerdotes, pouco depois da ordenação.
Estes problemas pessoais são diversos. Pode
ser que a sexualidade esteja insuficientemente integrada ou
desorientada. Pode ocorrer que feridas psicológicas advenham do contexto
de uma família de alcoólatras. Pode se dar por um temperamento difícil
ou imprevisível ou por alterações súbitas de humor, etc. O silêncio e a
solidão do deserto monástico, a falta de suporte humano, e a grande
dificuldade de conservar uma máscara indefinidamente na vida comunitária
tornem possível a estes problemas sua emergência.
Obviamente, não estamos lidando aqui com
problemas exclusivos da vida monástica. No mundo eles provavelmente se
tornam evidente um por vez e serão talvez resolvidos por uma carreira
com sucesso, auxílio psicológico ou a terapia de um bom casamento. No
mosteiro, não é raro que se tornem evidentes todos juntos. Este é o
momento em que se vê se a casa foi edificada sobre a rocha ou sobre a
areia (Mt 7,25).
Se a vida comum favorece a erupção de tal
crise, o contexto de uma comunidade sadia também oferece os meios pelos
quais possa esta ser experimentada de modo positivo, com a graça de
Deus, o discernimento do pai espiritual e o suporte dos irmãos. Toda
passagem a um novo estágio de crescimento implica uma espécie de
desintegração positiva da personalidade que precisa, então, ser
reconstruída numa nova base. Muitos estados que hoje seriam considerados
como depressão nervosa (e tratados como tal) são provavelmente este
tipo de crise: chamadas ‘noites escuras’ na linguagem dos místicos,
oferecem a chance de um salto qualitativo no crescimento humano e
espiritual. Este é o elemento mais essencial da formação contínua,
enquanto o último é com freqüência identificado com "reciclagens’
periódicas.
Finalmente, uma comunidade monástica precisa
estar particularmente atenta em socorrer cada um de seus membros na
passagem serena através da grande e última crise, que ninguém pode
evitar, e que põe o selo do Espírito em sua configuração a Cristo.
Conclusão
De acordo com a Regra de São Bento, o
recém-chegado ao mosteiro é formado pela vivência da vida comunitária.
Este é o motivo pelo qual é confiado a um monge maduro, cheio de
discernimento e de zelo pelas almas, cujo papel essencial é descobrir se
ele é diligente nos elementos da vida monástica que antes de todos os
outros devem formá-lo: a oração da comunidade, a obediência e as
humilhações.
Esta é a maneira da formação que a vida
monástica nos oferece para atingir aquela liberdade de coração que nos
capacita a correr com os corações alargados no ardor da caridade no
caminho dos mandamentos divinos e atingir, com a graça de Deus, uma
completa transformação na imagem do Cristo no dia do Encontro.
Roma, 4 de outubro de 1995.
D. Armand Veilleux, OCSO
Traduziu: Cecilia Fridman, Rio Negro, PR, Brasil,
para o Mosteiro Trapista Nossa Senhora de Novo Mundo.
FONTE: Ecclesia.com.br
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