
Hermas de Roma (Escrito entre 142 e 155 d.C)
PRIMEIRO MANDAMENTO
CAPÍTULO 26
“Antes de tudo, crê que existe um só
Deus, que criou e organizou o universo, fazendo passar todas as coisas
do não-ser para o ser, que contém tudo e ele próprio não é contido por
nada. Crê nele e teme-o, e temendo-o, sê continente. Observa isso e
afasta de ti todo mal, para que sejas revestido de toda virtude de
justiça, e viverás para Deus, se observares esse mandamento.”
SEGUNDO MANDAMENTO
CAPÍTULO 27
Ele me disse: “Sê simples e inocente, e
serás como as crianças que não conhecem o mal que destrói a vida dos
homens. Em primeiro lugar, não fales mal de ninguém, nem ouças com
prazer o maledicente. Do contrário, participarás do pecado do
maledicente, se acreditares na maledicência que ouves. Pois, acreditando
nisso, também ficarás hostil ao teu irmão, e participarás do pecado do
maledicente. A maledicência é má, é demônio agitado, que nunca está em
paz, e só sente prazer nas discórdias. Fica longe dele, e tuas relações
com todos serão sempre perfeitas. Sê reservado. Com reserva, não há mau
tropeço, mas tudo é plano e alegre. Realiza o bem e, do produto do
trabalho que Deus te concede, dá com simplicidade a todos os
necessitados, sem te preocupares a quem darás ou não. Dá a todos, porque
Deus quer que seus próprios bens sejam dados a todos. Os que recebem
prestarão contas a Deus do motivo e finalidade daquilo que tiverem
recebido: os que receberem por necessidade não serão julgados, mas os
que enganarem para receber, serão punidos. Aquele que dá é
irrepreensível, pois realiza com simplicidade o serviço, conforme
recebeu do Senhor, sem discriminar a quem dá ou não. O serviço, assim
realizado na simplicidade, subsistirá em Deus. Observa, portanto, esse
mandamento, conforme te ordenei, para que tua conversão e a da tua casa
sejam encontradas simples, puras, inocentes e incorruptíveis.”
TERCEIRO MANDAMENTO
CAPÍTULO 28
Ele me disse novamente: “Ama a verdade, e
apenas a verdade saia de tua boca, para que o espírito, que Deus
colocou nesse corpo, seja encontrado verdadeiro por todos os homens.
Assim, o Senhor, que habita em ti, será glorificado, porque o Senhor é
verdadeiro em todas as palavras, e nele não há mentira. Os mentirosos
renegam o Senhor e o despojam, não lhe restituindo o depósito recebido.
De fato, receberam dele um espírito que não mente. Se o restituem
mentiroso, transgridem o mandamento do Senhor e se tornam fraudulentos.”
Ouvindo isso, eu chorei muito. Vendo-me chorar, ele me disse: “Por que
choras?” Eu respondi: “Senhor, porque não sei se posso me salvar.” Ele
perguntou: “Por quê?” Eu continuei: “Senhor, é porque na minha vida eu
nunca disse palavra verdadeira, mas sempre vivi usando de fraude para
com todos e fiz com que minhas mentiras passassem por verdades aos olhos
de todos. Ninguém jamais me contradisse. Ao contrário, sempre confiaram
em minha palavra. Senhor, como posso viver, tendo feito isso?” Ele me
disse: “Tu pensas bem e verdadeiramente. De fato, era preciso que, como
servo de Deus, tivesses caminhado na verdade. A má consciência não
deveria habitar com o espírito da verdade e trazer tristeza ao espírito
santo e verdadeiro.” Eu disse: “Senhor, jamais ouvi palavras tão
exatas.” Ele continuou: “Agora, porém, estás ouvindo. Observa-as, a fim
de que também as mentiras que disseste antes em teus negócios, agora
tenham credibilidade, ao verem que a tua linguagem hoje é verdadeira. Se
observares essas coisas e, a partir de agora, disseres só a verdade,
poderás adquirir a vida. E todo aquele que observar esse mandamento e se
abstiver desse grande vício da mentira, viverá em Deus.”
QUARTO MANDAMENTO
CAPÍTULO 29
Ele me disse: “Eu te ordeno guardar r
castidade e que não entre em teu coração o desejo de outra mulher, nem
de qualquer fornicação, nem de qualquer outro vício semelhante. Porque,
se fizeres isso, cometerás grande pecado. Lembra-te sempre de tua
esposa, e jamais pecarás. Se esses desejos entrarem em teu coração,
pecarás; e se entrarem outras coisas igualmente más, também cometerás
pecado, pois tal desejo é grande pecado para o servo de Deus. Se alguém
realiza esse ato vicioso, prepara a morte para si mesmo. Portanto,
estejas atento. Evita esse desejo, pois onde habita a santidade, no
coração do homem justo, a iniqüidade não deve entrar.” Eu lhe disse:
“Senhor, permite-me apresentar algumas questões.” Ele respondeu: “Podes
perguntar.” Eu continuei: “Senhor, se alguém tem esposa que crê no
Senhor, e descobre que ela é adúltera, esse homem comete pecado vivendo
com ela?” Ele me respondeu: “Enquanto ele não sabe, não comete pecado.
Mas se fica sabendo do pecado de sua mulher e que ela, ao invés de se
arrepender, persiste no adultério, o marido, vivendo com ela, se torna
cúmplice de sua falta e participa no adultério dela.” Então perguntei:
“Se a mulher persiste nessa paixão, o que o marido deverá fazer?” Ele
respondeu: “Deve repudiá-la e viver sozinho. Contudo, se depois de ter
repudiado sua mulher, ele se casar com outra, então ele também comete
adultério.” Eu disse: “Senhor, e se a mulher depois de ter sido
repudiada, se arrepender e quiser voltar a seu marido, ele deverá
acolhê-la?” Ele continuou: “Sim. E se o marido não a receber, ele
cometerá pecado e carrega-se de grande culpa. E preciso acolher aquele
que peca e se arrepende, mas não muitas vezes. Para os servos de Deus
existe apenas uma conversão. É em vista dessa conversão que o homem não
deve se casar de novo. Essa obrigação vale tanto para a mulher como para
o homem. O adultério não é apenas macular o corpo. Quem vive como os
pagãos, também comete adultério. Portanto, se alguém persiste nessa
conduta sem se converter, afasta-te e não vivas mais com ele. Caso
contrário, serias cúmplice do seu pecado. A razão por que se ordena
permanecer sozinho, tanto o homem como a mulher, é porque em tal caso é
possível o arrependimento. “Contudo, não quero dar tal pretexto para que
alguém faça isso, e sim impedir que o pecador recaia no pecado. Para
quem pecou antes, existe quem pode curá-lo: é aquele que tem poder sobre
todas as coisas”.
CAPÍTULO 30
Continuei a perguntar: “Uma vez que o
Senhor julgou-me digno de habitares sempre comigo, suporta ainda algumas
interrogações, pois nada compreendo, e meu coração se endureceu, por
causa de minhas ações passadas. Ensina-me, pois sou totalmente
desprovido de inteligência e não compreendo absolutamente nada.” Ele me
respondeu: “Estou encarregado da conversão e concedo inteligência a
todos o que se arrependem. Não te parece que o fato de se arrepender é
em si mesmo inteligência? O arrependimento é ato de grande inteligência.
Com efeito, o pecador compreende que fez o mal diante do Senhor, e que o
ato que ele cometeu entra no coração, então se arrepende e não pratica
mais o mal. Ao contrário, ele se empenha com todo o zelo a praticar o
bem, humilha e experimenta a sua alma, pois ela pecou. Vês, portanto,
que o arrependimento é ato de grande inteligência.” Eu disse: “Senhor, é
por isso que te pergunto essas coisas com minúcias. Primeiro, porque
sou um pecador que desejo saber o que devo fazer para viver, pois meus
pecados são muitos e numerosos.” Ele disse: “Viverás, se observares meus
mandamentos e seguires seus caminhos. Quem ouvir esses mandamentos e os
observar, viverá em Deus.”
CAPÍTULO 31
Eu disse: “Senhor, ainda quero te fazer
outra pergunta.” Ele respondeu: “Pergunta.” Continuei: “Ouvi alguns
doutores dizerem que não há outra conversão além daquela do dia em que
descemos à água e recebemos o perdão dos pecados anteriores.” Ele me
respondeu: “Ouviste bem. E assim mesmo. Aquele que recebeu o perdão de
seus pecados não deveria mais pecar, e sim permanecer na pureza.
Entretanto, como queres saber tudo com pormenores, eu te explicarei
também isso, sem dar pretexto para pecar aos que hão de crer ou aos que
começaram agora a crer no Senhor, pois tanto uns como outros não têm
necessidade de fazer penitência de seus pecados, pois seus pecados
passados já foram abolidos. Para os que foram chamados antes destes
dias, o Senhor estabeleceu uma penitência, pois o Senhor conhece os
corações. E sabendo tudo de antemão, ele conheceu a fraqueza dos homens e
a esperteza do diabo em fazer o mal aos servos de Deus e exercer sua
malícia contra eles. Sendo misericordioso, o Senhor teve compaixão de
sua criatura e estabeleceu a penitência, e deu-me o poder sobre ela.
Todavia, eu te digo: se, depois desse chamado importante e solene,
alguém, seduzido pelo diabo, cometer pecado, ele dispõe de uma só
penitência; contudo, se peca repetidamente, ainda que se arrependa, a
penitência será inútil para tal homem, pois dificilmente viverá.” Então
eu lhe disse: “Senhor, sinto-me reviver depois de ouvir essas coisas tão
pormenorizadamente, pois sei que serei salvo, se eu não continuar a
pecar.” Ele me disse: “Serás salvo, tu e todos os que fizerem essas
coisas.”
CAPÍTULO 32
Eu lhe perguntei novamente: “Senhor, já
que toleraste uma vez minhas interrogações, esclarece-me também este
ponto.” Ele respondeu: “Podes falar.” Eu disse: “Senhor, se uma mulher
ou um homem morre e o cônjuge se casa de novo, este último peca por se
casar?” Ele respondeu: “Não peca, mas, se permanece sozinho, adquire
maior honra e glória diante do Senhor. Se ele se casa, porém, não comete
pecado. Observa, portanto, a castidade e a santidade, e viverás em
Deus. Observa tudo o que te digo e te direi a partir deste dia em que me
foste confiado, e habitarei em tua casa. Alcançarás o perdão de teus
pecados passados, contanto que observes os meus mandamentos. Também os
outros serão perdoados, se observarem meus mandamentos e se caminharem
nessa castidade.”
QUINTO MANDAMENTO
CAPÍTULO 33
Ele me disse: “Sê paciente e prudente, e
dominarás todas as ações más e realizarás toda a justiça. Se fores
paciente, o Espírito Santo, que habita em ti, será límpido e não ficará
na sombra de outro espírito mau. Encontrando grande espaço livre, ele
ficará contente e se alegrará como o vaso em que ele habita e servirá a
Deus com alegria, pois terá felicidade em si mesmo. Se sobrevier acesso
de cólera, imediatamente o Espírito Santo, que é delicado, se angustiará
por não ter lugar puro, e procurará afastar-se do lugar. Ele se sente
sufocado pelo espírito mau e não tem mais lugar para servir a Deus como
quer, porque está contaminado pela cólera. Com efeito, o Senhor habita
na paciência e o diabo, na cólera. Que esses dois espíritos habitem
juntos é, portanto, coisa inconveniente e má para o homem em que
habitam. Se tomas uma pequenina gota de absinto e a derramas num vaso de
mel, não se estraga todo o mel? O mel fica estragado pelo pouquíssimo
absinto, que destrói a doçura do mel, e já não agrada ao dono, porque se
tornou amargo e sem utilidade. Todavia, se não se derrama absinto no
mel, o mel permanece doce e agrada muito ao seu dono. Vê: a paciência
supera o melem doçura, é útil ao Senhor, que habita nela. Ao contrário, a
cólera é amarga e inútil. Portanto, se se mistura a cólera com a
paciência, a paciência se mancha, e sua oração não é útil para Deus.” Eu
disse: “Senhor, eu desejaria conhecer a força da cólera, para me
preservar dela.” Ele respondeu: “Se não te guardares com tua família,
destruirás toda a esperança. Mas preserva-te dela, pois eu estou
contigo. Todos os que fizerem penitência do fundo do coração se
guardarão dela, porque eu estarei com eles e os protegerei. Com efeito,
todos foram justificados pelo anjo santíssimo.”
CAPÍTULO 34
Ele me disse: “Escuta agora qual é a força da cólera como ela é má, como perverte os servos de Deus com sua força, e como os desvia da justiça. Ela não desvia os pleno. de fé, nem pode fazer nada contra eles, pois meu poder está com eles. Ela desvia somente os vazios e vacilantes. Quando a cólera vê essas pessoas tranqüilas, insinua-se no coração delas e, por um nada, o homem ou a mulher se deixam tomar pela amargura, com os negócios da vida cotidiana, alimentação, ou qualquer futilidade, um amigo, um presente dado ou recebido, ou ainda qualquer outra ninharia. Tudo isso são coisas fúteis, vãs, insensatas e prejudiciais para os servos de Deus. A paciência, ao contrário, é grande e forte, tem força poderosa e sólida, que se expande largamente; a paciência é alegre, contente e sem preocupações, e glorifica o Senhor em todo momento. Nada nela é amargo; ela permanece sempre doce e calma. Essa paciência habita com os que têm fé íntegra. A cólera, ao contrário é, em primeiro lugar, estulta, leviana e estúpida; da estupidez nasce a amargura; da amargura a irritação; da irritação, o furor, e do furor o ressentimento. Tal ressentimento, nascido de tantos males, é pecado grave e incurável. Quando todos esses espíritos vêm habitar o mesmo vaso, onde já habita o Espírito Santo, o vaso não pode mais conter tudo e transborda. Então o espírito delicado, que não tem o costume de habitar com o espírito mau, nem com a aspereza, afasta-se de tal homem e procura habitar com a doçura e a mansidão. Mas, quando se afasta do homem em que habitava, esse homem se esvazia do espírito justo e, daí para a frente, cheio de espíritos maus, agita-se em todas as suas ações, arrastado de cá para lá pelos espíritos maus, completamente cego para todo pensamento bom. Eis o que acontece com todas as pessoas coléricas. Afasta-te, portanto, da cólera, esse espírito maligno. Reveste-te, em troca, de paciência, resiste à cólera e à amargura, e te encontrarás com a santidade, amada pelo Senhor. Estejas atento para não te descuidares desse mandamento. Se o dominares, poderás observar também os outros mandamentos, que te ordenarei. Sê forte e inabalável neles, e fortaleçam-se igualmente todos os que quiserem caminhar neles.”
Ele me disse: “Escuta agora qual é a força da cólera como ela é má, como perverte os servos de Deus com sua força, e como os desvia da justiça. Ela não desvia os pleno. de fé, nem pode fazer nada contra eles, pois meu poder está com eles. Ela desvia somente os vazios e vacilantes. Quando a cólera vê essas pessoas tranqüilas, insinua-se no coração delas e, por um nada, o homem ou a mulher se deixam tomar pela amargura, com os negócios da vida cotidiana, alimentação, ou qualquer futilidade, um amigo, um presente dado ou recebido, ou ainda qualquer outra ninharia. Tudo isso são coisas fúteis, vãs, insensatas e prejudiciais para os servos de Deus. A paciência, ao contrário, é grande e forte, tem força poderosa e sólida, que se expande largamente; a paciência é alegre, contente e sem preocupações, e glorifica o Senhor em todo momento. Nada nela é amargo; ela permanece sempre doce e calma. Essa paciência habita com os que têm fé íntegra. A cólera, ao contrário é, em primeiro lugar, estulta, leviana e estúpida; da estupidez nasce a amargura; da amargura a irritação; da irritação, o furor, e do furor o ressentimento. Tal ressentimento, nascido de tantos males, é pecado grave e incurável. Quando todos esses espíritos vêm habitar o mesmo vaso, onde já habita o Espírito Santo, o vaso não pode mais conter tudo e transborda. Então o espírito delicado, que não tem o costume de habitar com o espírito mau, nem com a aspereza, afasta-se de tal homem e procura habitar com a doçura e a mansidão. Mas, quando se afasta do homem em que habitava, esse homem se esvazia do espírito justo e, daí para a frente, cheio de espíritos maus, agita-se em todas as suas ações, arrastado de cá para lá pelos espíritos maus, completamente cego para todo pensamento bom. Eis o que acontece com todas as pessoas coléricas. Afasta-te, portanto, da cólera, esse espírito maligno. Reveste-te, em troca, de paciência, resiste à cólera e à amargura, e te encontrarás com a santidade, amada pelo Senhor. Estejas atento para não te descuidares desse mandamento. Se o dominares, poderás observar também os outros mandamentos, que te ordenarei. Sê forte e inabalável neles, e fortaleçam-se igualmente todos os que quiserem caminhar neles.”
SEXTO MANDAMENTO
CAPÍTULO 35
Ele me disse: “No primeiro mandamento, eu
te ordenei guardar a fé, o temor e a continência.” Eu respondi: “Sim,
Senhor.” Ele continuou: “Agora te explicarei as forças dele, para que
conheças o poder e a eficácia que elas possuem. Suas forças são de dois
tipos e estão relacionadas com o justo e com o injusto. Tem confiança no
justo, mas não confies no injusto. De fato, o justo segue caminho reto,
ao passo que o injusto segue caminho tortuoso. Quanto a ti, anda pelo
caminho direito e plano, deixando o caminho torto. O caminho tortuoso
não tem trilhas, mas é impraticável, cheio de obstáculos, pedregoso e
espinhoso. Ele é fatal para os que nele caminham. Aqueles, porém, que
andam pelo caminho reto, andam de maneira uniforme e sem tropeços,
porque ele não é pedregoso, nem espinhoso. Vês, portanto, que é mais
conveniente seguir o caminho reto. Eu lhe disse: “Senhor, eu gosto de
andar por esse caminho.” Ele me disse: “Segue-o, e siga também por ele
todo aquele que se converte ao Senhor, do fundo do coração”.
CAPÍTULO 36
Ele me disse: “Ouve agora o que vou te
falar sobre a fé. Há dois anjos com o homem: um é da justiça, e outro é
do mal.” Eu perguntei: “Senhor, como distinguirei as ações deles, se os
dois anjos habitam comigo?” Ele me respondeu: “Ouve e compreende. O anjo
da justiça é delicado, modesto, doce e suave. Quando entra em teu
coração, imediatamente fala contigo sobre a justiça, a castidade, a
santidade, a temperança, sobe todo ato e toda virtude nobre. Quando tudo
isso entra em teu coração, saibas que o anjo da justiça está contigo,
pois essas obras são próprias do anjo da justiça. Tem confiança nele e
em suas obras. Vê agora as obras do anjo do mal. Em primeiro lugar, ele é
colérico, amargo e insensato, e suas obras malignas os servos de Deus.
Quando entra em teu coração, tu o conheces por suas obras.” Eu disse:
“Senhor, não sei como poderei reconhecê-lo”. Ele continuou: “Escuta.
Quando a cólera se apodera de ti, ou a amargura, saibas que ele está em
ti. Da mesma forma, os desejos da atividade, dispersa os gastos loucos
em numerosos festins, em bebidas inebriantes, em orgias sem fim, em
requintes variados e supérfluos, paixões pelas mulheres, grande riqueza,
orgulho exagerado, altivez e tudo o que se assemelha a isso, se essas
coisas entram no teu coração, saibas que o anjo do mal está em ti.
Reconhecendo suas obras, afasta-te dele e não creias nele, pois essas
obras são más e inconvenientes para os servos de Deus. Aí tens as ações
dos dois anjos. Compreende essas ações e depõe tua confiança no anjo da
justiça. Afasta-te do anjo do mal, porque seu ensinamento é mau para
qualquer obra. Se alguém é fiel e o pensamento desse anjo entra em seu
coração, é inevitável que essa pessoa, homem ou mulher, cometa pecado.
Por outro lado, se homem ou mulher são depravados e as obras do anjo da
justiça entram em seu coração, é inevitável que essa pessoa faça o bem.
Vê, portanto, que é bom seguir o anjo da justiça e renunciar ao anjo
mau. Esse mandamento explica o que se refere à fé, para que acredites
nas obras do anjo da justiça e, cumprindo-as, vivas em Deus. Acredita
também que as obras do anjo do mal são funestas. Evitando-as, viverás em
Deus.”
SÉTIMO MANDAMENTO
CAPÍTULO 37
Ele me disse: “Teme o Senhor e guarda
seus mandamentos. Guardando os mandamentos de Deus, serás forte em tudo o
que fizeres e tua ação será incomparável. Com efeito, temendo ao
Senhor, farás tudo bem. Ele é o temor que precisas ter, e então serás
salvo. Não temas o diabo. Temendo ao Senhor, triunfarás do diabo, pois
ele não tem poder. Se alguém não tem poder, também não apresenta motivo
para temor. Quem tem poder glorioso, também inspira temor. De fato, todo
aquele que tem poder, inspira temor; aquele que não o tem, é desprezado
por todos. Teme as obras do diabo, porque elas são más. Temendo ao
Senhor, teme também as obras do diabo, e não as pratiques, mas afasta-te
delas. Há duas espécies de temor. Se quiseres praticar o mal, teme ao
Senhor e não o praticarás. Todavia, se quiseres praticar o bem, teme ao
Senhor, e o praticarás. O temor do Senhor é forte, grande e glorioso.
Teme, portanto, ao Senhor, e nele viverás. Os que o temem e observam
seus mandamentos, viverão em Deus.” Eu perguntei: “Senhor, por que
disseste: aqueles que observam seus mandamentos viverão em Deus?” Ele
respondeu: “Porque tola a criação teme ao Senhor, mas não guarda seus
mandamentos. Os que o temem e guardam seus mandamentos têm a sua vida
junto de Deus. Aqueles, porém, que não guardam seus mandamentos não têm
vida em si mesmos.”
OITAVO MANDAMENTO
CAPÍTULO 38
Ele continuou: “Já te disse que as
criaturas de Deus são de dois tipos; a abstinência também é dupla, pois é
preciso se abster de algumas coisas e de outras não.” Eu pedi: “Senhor,
ensina-me de quais coisas preciso me abster e de quais não.” Ele
respondeu: “Escuta. Abstém-te do mal e não o pratiques. Não te abstenhas
do bem, mas pratica-o. Com efeito, se te abstiveres de praticar o bem,
cometerás grande pecado; por outro lado, se te abstiveres de praticar o
mal, praticarás um grande ato de justiça. Abstém-te, portanto, de todo
mal e pratica o bem.” Eu perguntei: “Senhor, quais são os males de que
nos devemos abster?” Ele me respondeu: “Escuta: adultério, fornicação,
excesso na bebida, prazer depravado, comer em demasia, luxo da riqueza,
ostentação, orgulho, altivez, mentira, maledicência, hipocrisia, rancor e
todo tipo de blasfêmia. São essas as piores obras que existem na vida
dos homens. O servo de Deus deve abster-se dessas obras, pois aquele que
não se abstém delas, não pode viver em Deus. Escuta agora as obras que
seguem a essas.” Eu perguntei: “Senhor, há ainda outras obras más?” Ele
respondeu: “Muitas, das quais os servos de Deus devem se abster: o
roubo, a mentira, a fraude, o falso testemunho, a avareza, os desejos
maus, o engano, a vanglória, a arrogância e outros vícios semelhantes.
Não te parece que tudo isso é mau?” Eu respondi: “E muito mau para os
servos de Deus.” (Ele continuou): “É preciso que o servo de Deus se
abstenha de tudo isso. Abstém-te, portanto, de tudo isso, para que vivas
em Deus e sejas inscrito com os que se abstêm dessas coisas. São essas
as coisas das quais te deves abster. As coisas das quais não te deves
abster e sim praticar, são estas: não te abstenhas do bem, mas
pratica-o.” Eu pedi: “Senhor, mostra-me o poder das boas ações, para que
eu siga seu caminho e as sirva, a fim de que, praticando-as, possa
salvar-me.”Ele respondeu: “Escuta as obras do bem, que deves praticar e
não evitar. Em primeiro lugar, a fé, o temor do Senhor, a caridade, a
concórdia, as palavras justas, a verdade, a perseverança. Não há nada de
melhor na vida humana. Se alguém as observa e delas não se abstém, será
feliz em sua vida. Escuta agora as obras que seguem a essas: assistir
às viúvas, visitar os órfãos e necessitados, resgatar da escravidão os
servos de Deus, ser hospitaleiro (pois na hospitalidade encontra-se por
vezes a ocasião de fazer o bem), não criar obstáculos para ninguém, ser
calmo, tornar-se inferior a todos, honrar os anciãos, praticar a
justiça, conservar a fraternidade, suportar a violência, ser paciente,
não nutrir rancor, consolar os aflitos na alma, não afastar da fé os
escandalizados, mas convertê-los e dar-lhes coragem, corrigir os
pecadores, não oprimir os devedores e necessitados, e outras ações
semelhantes. Não te parece que essas sejam boas ações?” Eu respondi:
“Que coisa é melhor do que isso, Senhor?” Ele continuou: “Anda,
portanto, nesse caminho, não te abstenhas dessas coisas, e viverás em
Deus. Observa este mandamento: se praticares o bem e não te abstiveres
dele, viverás em Deus, e todos os que agirem assim, também viverão em
Deus. E ainda, se não praticares o mal e te abstiveres dele, viverás em
Deus; e todos aqueles que guardarem esses mandamentos e andarem em seus
caminhos, também viverão em Deus.”
NONO MANDAMENTO
CAPÍTULO 39
Ele continuou: “Remove de ti a dúvida e
por nada no mundo hesites em pedir alguma coisa a Deus, dizendo a ti
mesmo: ‘Como poderia eu pedir alguma coisa ao Senhor e obtê-la, tendo
cometido tão grandes pecados contra ele?’ Não penses assim. Ao
contrário, converte-te ao Senhor, do fundo do coração, suplica-o
confiante e conhecerás sua grande misericórdia, porque ele não te
abandonará, mas atenderá a oração da tua alma. De fato, Deus não é como
os homens rancorosos; ele não conhece o rancor e tem compaixão de sua
criatura. Tu, portanto, purifica teu coração de todas as vaidades deste
mundo e dos males dos quais já te falei. Suplica ao Senhor e obterás
tudo; nenhuma de tuas orações será rejeitada, se suplicares ao Senhor
com confiança. Contudo, se duvidares em teu coração, não alcançarás
nenhum dos teus pedidos, pois os que duvidam de Deus são indecisos e não
alcançam nada do que pedem. Em troca, os que são íntegros na fé, pedem
tudo com plena confiança no Senhor, e são atendidos, porque pedem sem
vacilar e sem incerteza. Com efeito, todo homem que duvida, se não fizer
penitência, dificilmente se salvará. Portanto, purifica da dúvida o teu
coração, reveste-te de fé, porque ela é forte e tem confiança que Deus
atenderá todas as tuas orações. E se alguma vez pedires alguma coisa ao
Senhor e ele tardar em concedê-la, não duvides porque não obtiveste logo
o pedido da tua alma; certamente, tardas a receber o que pediste, por
causa de alguma provação ou de algum pecado que ignoras. Não deixes,
portanto, de pedir o que tua alma deseja, e o obterás. Contudo, se ao
rezar caíres no desânimo e na dúvida, culpa-te a ti mesmo e não àquele
que está disposto a te dar. Cuidado com a dúvida: ela é má, insensata e
desenraiza da fé, não poucos, até pessoas muito fiéis e firmes, pois a
dúvida é filha do diabo e faz muito mal aos servos de Deus. Despreza,
portanto, a dúvida, e domina-a em tudo. Para isso, reveste-te de fé
firme e poderosa. De fato, a fé tudo promete e tudo cumpre, mas a
dúvida, que não tem confiança sequer em si mesma, malogra-se em toda
obra que empreende. Vês, portanto, que a fé vem do alto, do Senhor, e
tem grande força; a dúvida, porém, é apenas um espírito terrestre que
vem do diabo e não tem força, nenhuma. Serve, portanto, à fé que tem
força e afasta a dúvida que não tem força nenhuma. Então viverás em
Deus, e todos os que pensam assim também viverão em Deus.
DÉCIMO MANDAMENTO
CAPÍTULO 40
Ele continuou: “Afasta de ti a tristeza,
pois ela é irmã da dúvida e da cólera.” Eu perguntei: “Senhor, como é
que ela é irmã delas? Parece-me que a cólera é uma coisa, a dúvida é
outra, e a tristeza ainda outra coisa.” Ele me respondeu: “És homem
insensato. Não compreendes que a tristeza é o pior de todos os espíritos
e o mais terrível para os servos de Deus e que, mais do que todos os
espíritos, ela arruína o homem e expulsa o Espírito Santo, e depois
salva?” Eu disse: “Senhor, de fato sou insensato e não compreendo essas
parábolas. Com efeito, não compreendo como a tristeza pode expulsar e
depois salvar.” Ele continuou: “Escuta. Os que nunca pesquisaram a
verdade, nem indagaram sobre a divindade, que se limitaram a crer, ficam
presos em seus negócios, riquezas, amizades pagãs e outras numerosas
ocupações deste mundo. Todos esses, que só vivem para isso, são
incapazes de compreender as parábolas a respeito da divindade. Ficam
obscurecidos por essas atividades, se corrompem e ficam áridos. As
vinhas, antes belas, por falta de cuidados, secam por causa dos espinhos
e ervas daninhas de todo tipo. Da mesma forma, os homens que abraçaram a
fé e se perdem nas múltiplas atividades de que falei, extraviam-se do
seu bom senso e nada mais compreendem sobre a justiça. Até mesmo quando
ouvem falar sobre divindade e verdade, sua mente está em seus negócios, e
nada compreendem. Todavia, os que temem a Deus, buscam a divindade e a
verdade, e têm o coração voltado para o Senhor. Esses logo entendem e
compreendem tudo o que se lhes diz. Eles têm em si o temor do Senhor.
Com efeito, onde o Senhor habita, aí há total compreensão. Adere,
portanto, ao Senhor, e compreenderás e entenderás tudo.”
CAPÍTULO 41
Ele continuou: “Escuta, portanto,
insensato, como a tristeza expulsa o Espírito Santo e depois salva.
Quando o vacilante empreende uma ação e não colhe êxito por causa de sua
própria dúvida, a tristeza se insinua nele e entristece o Espírito
Santo e o expulsa. Em seguida, a cólera se apodera da pessoa por causa
de qualquer coisa, e o amargura muito. De novo, a tristeza entra no
coração do homem que se irritou, o qual se entristece pelo que fez e se
arrepende de ter feito o mal. Essa tristeza, portanto, parece trazer a
salvação, porque, depois de ter feito o mal, a pessoa se arrepende.
Essas duas atitudes entristecem o espírito: a dúvida, porque não colheu
êxito no empreendimento; e a cólera, porque fez o mal. As duas
entristecem o Espírito Santo. Afasta, portanto, a tristeza de ti, para
não entristecer o Espírito Santo que habita em ti, a fim de que ele não
suplique a Deus contra ti e de ti se afaste. Com efeito, o Espírito de
Deus, que foi dado ao teu corpo, não suporta a tristeza nem a angústia.”
CAPÍTULO 42
“Reveste-te, portanto, da alegria, que
agrada a Deus e ele a aceita: faze dela as tuas delicias. De fato, todo
homem alegre realiza sempre o bem, pensa no bem e despreza a tristeza. O
homem triste pratica sempre o mal. Em primeiro lugar, pratica o mal
porque entristece o Espírito Santo, que foi dado alegre ao homem; em
seguida, entristecendo o Espírito Santo, pratica a injustiça por não
suplicar a Deus, nem louvá-lo. Com efeito, a oração do homem triste
jamais tem a força de subir ao altar de Deus”. Eu perguntei: “Por que a
súplica do homem triste não sobe ao altar?” Ele respondeu: “Porque a
tristeza reside no seu coração. Unida à oração, a tristeza não permite
que a oração suba pura ao altar. O vinho misturado com vinagre não tem o
mesmo sabor. Igualmente acontece com a tristeza: misturada com o
Espírito Santo, não conserva a própria oração. Purifica-te, portanto,
dessa tristeza maligna, e viverás em Deus. E todos os que afastarem de
si a tristeza e se revestirem de toda alegria, também viverão em Deus.”
DÉCIMO PRIMEIRO MANDAMENTO
CAPÍTULO 43
Ele me mostrou homens sentados num banco e
outro homem sentado numa poltrona. E me disse: “Vês as pessoas sentadas
no banco?” Eu respondi: “Sim, senhor.” Ele explicou: “Esses são fiéis, e
o que está sentado na poltrona é falso profeta, que corrompe a
inteligência dos servos de Deus, isto é, corrompe a inteligência dos que
duvidam, e não dos fiéis. Aqueles que duvidam vão até ele como adivinho
e lhe perguntam o que lhes acontecerá. Então esse falso profeta, sem
ter em si nenhum poder do espírito divino, responde-lhes segundo o que
perguntam e segundo seus maus desejos, satisfazendo-lhes a alma com o
que desejam. Sendo vazio ele próprio, dá respostas vãs a homens vãos.
Seja qual for a pergunta, ele responde conforme a vaidade do
interrogador. Também diz coisas verdadeiras, pois o diabo o enche com o
seu espírito, a fim de dobrar algum justo. Contudo, os fortes na fé do
Senhor, revestidos de verdade, não aderem aos espíritos maus, mas se
afastam deles. Por outro lado, os vacilantes e que mudam constantemente
de opinião, consultam os adivinhos como os pagãos, e carregam-se de
pecado maior que o dos idólatras. Com efeito, quem faz consulta a um
falso profeta sobre alguma coisa, é idólatra, vazio da verdade e
insensato. De fato, todo espírito dado por Deus não se deixa interrogar,
mas, possuindo força da divindade, diz tudo espontaneamente, porque vem
do alto, do poder do espírito divino. Ao invés, o espírito que se deixa
interrogar e que fala conforme o desejo dos homens, é terreno e
leviano, porque não tem nenhum poder. Se não é interrogado, não diz
nada.” Eu lhe perguntei: “Senhor, como saber quem deles é verdadeiro e
quem é falso profeta?” Ele respondeu: “Escuta o que estou para te dizer
sobre ambos os profetas, e então discernirás o verdadeiro do falso
profeta. Discerne pela vida o homem que tem o espírito divino. Em
primeiro lugar, quem tem o espírito que vem do alto, é calmo, sereno e
humilde. Ele se abstém de todo mal e de todo desejo vão deste mundo; ele
se considera inferior a todos e, quando interrogado, nada responde a
ninguém e não fala em particular. O Espírito Santo não fala quando o
homem quer, mas só quando Deus quer que ele fale. Quando um homem, que
tem o espírito de Deus, entra numa assembléia de homens justos, crentes
no espírito divino, e nessa assembléia de homens justos se suplica a
Deus, então o anjo do espírito profético que está junto dele, plenifica
esse homem, e ele, pleno do Espírito Santo, fala à multidão conforme
quer o Senhor. É desse modo que se manifesta o espírito da divindade.
Tal é o poder do Senhor sobre o espírito da divindade. Escuta agora a
respeito do espírito terreno e vão, que não tem poder e é insensato.
Primeiro, tal homem, que julga possuir o espírito, exalta-se a si mesmo,
quer ter o primeiro lugar, e logo se apresenta descaradamente,
imprudente e loquaz. Vive em meio a muitas delícias e muitos outros
prazeres, e aceita pagamento por sua profecia. Quando nada recebe,
também não profetiza. Poderia um espírito divino receber pagamento para
profetizar? Não é possível que o profeta de Deus aja desse modo; o
espírito desses profetas é terreno. Além disso, ele não se aproxima da
assembléia de homens justos para nada, mas foge deles. Ele se une aos
vacilantes e vãos, e profetiza para eles à parte. Engana-os,
falando-lhes coisas vazias, conforme o que desejam, pois responde para
gente vazia. Um vaso vazio quando bate em outro vaso vazio não quebra,
apenas ressoam mutuamente. Quando o falso profeta entra em assembléia
repleta de homens justos, portadores do espírito da divindade, se eles
começam a rezar, tal homem se esvazia e o espírito terrestre, tomado de
medo, foge dele. Tal homem emudece, completamente desorientado e incapaz
de falar. Se armazenas óleo e vinho num depósito e aí colocas uma
vasilha vazia, quando quiseres desocupar o depósito, encontrarás vazia
essa vasilha. Igualmente acontece com os profetas vazios, quando entram
em meio aos espíritos dos justos: da mesma forma que entraram, assim são
encontrados. Aí tens a vida dos dois tipos de profeta. Examina,
portanto, o homem que se diz portador do espírito, a partir de seus atos
e de sua vida. Quanto a ti, crê no espírito que vem de Deus e tem
poder, mas não creias no espírito terrestre e vazio, porque nele não
existe poder. Ele vem do diabo. Escuta a parábola que vou te contar.
Pega uma pedra e atira para o céu. Vê se podes atingi-lo. Ou então pega
um tubo de água e atira o jato para o céu. Vê se és capaz de furar o
céu.” Eu perguntei: “Senhor, como se pode fazer isso? As duas coisas que
disseste são impossíveis!” Ele respondeu: “Assim como essas coisas são
impossíveis, também os espíritos terrestres são impotentes e fracos.
Toma agora a força que vem do alto. O granizo é grão pequenino, mas
quando cai sobre a cabeça de uma pessoa, que dano lhe causa! Ou então,
pega a gota de água, que cai do telhado no chão e fura a pedra. Vês,
portanto, que as melhores coisas que caem do alto sobre a terra têm
grande força. Da mesma forma, o espírito divino que vem do alto é
poderoso. Crê, portanto, nesse espírito e afasta-te do outro.”
DÉCIMO-SEGUNDO MANDAMENTOCAPÍTULO 44
Ele continuou: “Arranca de ti todo mau desejo, e reveste-te do desejo bom e santo. Revestido desse desejo, odiarás o desejo mau e o domarás como quiseres. O desejo mau é selvagem e difícil de amansar. É terrível, e com sua selvageria consome os homens. Principalmente se o servo de Deus cair nesse desejo e não tiver discernimento, será consumido de modo terrível. Ele consome também os que não têm a veste do desejo bom e se deixam enredar por este mundo. O desejo entrega-os à morte”. Eu perguntei: “Senhor, quais são as obras do desejo mau, que entregam os homens à morte? Dá-me a conhecê-las, para que me afaste delas.” Ele respondeu: “Escuta com quais obras o desejo mau mata os servos de Deus.”
CAPÍTULO 45
Antes de tudo, o desejo de outra mulher ou homem, o luxo das riquezas, os banquetes numerosos e vãos, a embriaguez, e muitos outros prazeres insensatos. Com efeito, todo prazer é insensato e vazio para os servos de Deus. Tais desejos são maus, e matam os servos de Deus, porque o desejo mau é filho do diabo. E preciso, portanto, abster-se dos desejos maus para que, abstendo-vos, vivais em Deus. Todos os que são dominados por eles e não lhes resistem, acabarão morrendo, pois esses desejos são mortais. Reveste-te, portanto, do desejo da justiça e, armado do temor de Deus, resiste a eles. De fato, o temor de Deus habita no desejo bom. Se o desejo mau te vir armado do temor de Deus e resistindo, ele fugirá para longe de ti e não o verás mais, porque ele teme as tuas armas. Quanto a ti, vitorioso e coroado por sua derrota, apresenta-te diante do desejo da justiça e entrega-lhe a vitória que recebeste, e serve-o do modo que ele quiser. Se servires o desejo bom e te submeteres a ele, poderás dominar o desejo mau e comandá-lo, conforme quiseres.
CAPÍTULO 46
Eu disse: “Senhor, desejaria saber de que modo devo servir ao desejo bom.” Ele respondeu: “Escuta. Pratica a justiça e a virtude, a verdade e o temor do Senhor, a fé, a mansidão e todas as coisas boas semelhantes a essas. Praticando essas coisas, serás servo agradável de Deus e viverás nele. Todo aquele que servir ao desejo bom viverá em Deus.” Ele terminou os doze mandamentos e me disse: “Tens agora esses mandamentos. Anda em conformidade com eles e exorta os ouvintes, para que se exercitem na penitência purificadora pelo resto dos dias de sua vida. Cumpre com cuidado esse serviço que te confio. Desse modo, realizarás. Com efeito, encontrarás boa acolhida daqueles que se dispõem a fazer penitência; eles acreditarão em tuas palavras. Eu estarei contigo e os induzirei a crer em ti.” Eu lhe disse: “Senhor, esses mandamentos são grandes, sublimes e gloriosos, e podem alegrar o coração do homem que for capaz de observá-los. Todavia, Senhor, não sei se esses mandamentos podem ser guardados pelo homem, pois eles são muito duros”. Ele me respondeu: “Se te convenceres de que esses mandamentos podem ser guardados, tu os guardarás facilmente, e eles não serão duros. Contudo, se se insinuar no teu coração que não podem ser guardados pelo homem, não os guardarás. Agora, porém, eu te garanto: se não os guardares e os negligenciares, nem tu, nem teus filhos, nem tua família vos salvareis, pois decidindo que esses mandamentos não podem ser guardados pelo homem, tu te condenas a ti mesmo.”
CAPÍTULO 47
Ele me disse isso de modo tão indignado, que fiquei confuso e com muito medo. Sua aparência se alterou de tal modo que nenhum homem poderia suportar sua ira. Vendo-me completamente perturbado e confuso, começou a falar-me de modo mais brando e sereno, dizendo: “Tolo, insensato e vacilante! Não compreendes que a glória de Deus é grande, forte e admirável? Ele não criou o mundo para o homem e não lhe submeteu toda a sua criação, dando-lhe o poder de dominar todas as coisas que existem debaixo do céu? Portanto, se o homem é o senhor de todas as criaturas de Deus e domina sobre todas, será que ele não pode dominar também esses mandamentos? Somente o homem que leva o Senhor em seu coração é capaz de dominar todas as coisas e todos esses mandamentos. No entanto, para os que têm o Senhor somente nos lábios, e cujo coração está endurecido e estão distantes de Deus, esses preceitos são duros e inacessíveis. Esteja o Senhor em vosso coração, vós homens vazios e levianos na fé, e sabereis que não há nada mais fácil, suave e simples do que esses mandamentos. Convertei-vos, vós que seguis os mandamentos do diabo, mandamentos difíceis, amargos, brutais e licenciosos, e não temais o diabo, pois ele não tem poder nenhum sobre vós. Eu, o anjo da penitência, que triunfo sobre o diabo, estarei convosco. O diabo só pode amedrontar, mas esse medo não tem força alguma. Não o temais, portanto, e ele fugirá de vós.”
CAPÍTULO 48
Eu lhe disse: “Senhor, escuta ainda algumas palavras.” Ele respondeu: “Dize o que queres.” Eu continuei: “Senhor, o homem tem o desejo de guardar os mandamentos de Deus, e ninguém deixa de pedir ao Senhor que o reforce nos seus mandamentos e o submeta a eles. O diabo, porém, é duro, e domina os homens.” EIe me respondeu: “Ele não conseguirá dominar os servos de Deus, se estes, de todo coração, nele tiverem esperança. O diabo é capaz de combater, não porém de triunfar. Se lhe resistirdes, será derrotado e, envergonhado, fugirá de vós. Todavia, aqueles que são vazios temem o diabo como se ele tivesse poder. Quando um homem enche de bom vinho recipientes apropriados e entre estes deixa alguns semicheios, ao voltar para os recipientes ele não se preocupa com os que estão cheios, pois sabe que estão cheios; observa, sim, os que estão semicheios, temendo que tenham azedado, e o vinho perca o sabor. O mesmo acontece com o diabo: Ele vai e tenta todos os servos de Deus. Os que estão cheios de fé lhe resistem fortemente, e o diabo se afasta deles, pois não encontra por onde entrar. Então, ele vai até os que estão semicheios e, encontrando lugar, entra neles, faz o que quer, tornando-os seus escravos.”
CAPÍTULO 49
“Eu, o anjo da penitência, vos digo: não
temais o diabo, pois fui enviado para estar com aqueles de vós que de
todo o coração fazem penitência, para os fortificar na fé. Portanto,
crede, em Deus, vós que, por causa dos vossos pecados, desesperastes da
vida e acrescentais pecados a pecados, agravando assim profundamente a
vossa própria vida. Se vos converterdes ao Senhor de todo o vosso
coração e praticardes a justiça pelo resto dos dias de vossa vida; se o
servirdes retamente, conforme a sua vontade, ele vos curará de vossos
pecados passados e não vos faltará força para dominar as obras do diabo.
Não temais de modo nenhum a ameaça do diabo, pois ele, como nervos de
cadáver, não tem força nenhuma. Escutai, portanto, e temei aquele que
pode salvar ou destruir tudo; observai seus mandamentos e vivereis em
Deus.” Eu lhe pedi: “Senhor, agora estou fortificado em todos os
mandamentos do Senhor, porque estás comigo. Sei que abaterás todo o
poder do diabo e que nós o dominaremos, e venceremos todas as suas
obras. Senhor, espero que, fortalecido pelo Senhor, eu possa guardar os
preceitos que me deste.” Ele me respondeu: “Tu os guardarás, contanto
que teu coração permaneça puro, voltado para o Senhor. Todos aqueles que
os guardarem, purificando o coração dos desejos vazios deste mundo,
viverão em Deus”.
0 comentários:
Postar um comentário