Capítulo à Comunidade de Scourmont, Bélgica
de Dom Armand Veilleux, OCSO
11/4/1999.
de Dom Armand Veilleux, OCSO
11/4/1999.
Há
vários séculos, distinguem-se entre as diversas formas de vida
religiosa, a vida ativa, a contemplativa e a mista. Ora, há muito que
os mestres da espiritualidade monástica fazem notar que não
é possível fazer entrar à força a vida monástica
num tal esquema. Seria de fato perigoso - e mesmo hipócrita- considerar
que uma forma de vida monástica é mais contemplativa do que
outra pelo simples fato de que ela não comporta atividade apostólica.
A vida monástica
é contemplativa? A questão foi colocada muito explicitamente
durante o Concílio Vaticano II, no momento em que se preparava o documento
conciliar sobre a vida religiosa. Com freqüência compreendeu-se
mal aqueles que colocavam então esta questão. Seu objetivo não
era o de colocar em questão que a vida monástica tem - e deve
ter - uma dimensão e mesmo uma orientação contemplativa,
mas de recusar de defini-la como tal pelo simples fato de não ter ação
pastoral.
Dom Jean Leclercq
escreveu nesta época em Collectanea Cisterciensia (27 [1965] pp. 108-120)
um artigo precisamente com este título: "A vida monástica
é uma vida contemplativa?" ("La vie monastique est-elle une
vie contemplative?") Sua resposta é: Sim, evidentemente que é.
Mas acrescenta imediatamente que, segundo toda a tradição monástica,
chamar alguém de contemplativo não significa que pratique a
contemplação num ou noutro sentido que a palavra tomou nas diversas
escolas de espiritualidade desde o século XVI. Significa mais que ele
pratica a oração contínua, ou ainda, que ele organiza
toda a sua vida de tal modo que possa manter de modo tão constante
quanto possível uma consciência amante da presença de
Deus.
Para manter
esta oração contínua, o monge utiliza um certo número
de meios. Um deles, o mais importante de todos na tradição beneditina
é o Ofício Divino; outro é a lectio divina. Esta, com
efeito, segundo a tradição monástica, do Oriente e do
Ocidente, é autêntica oração contemplativa e não
simplesmente uma preparação à oração. Outros
meios são, sobretudo, os momentos de silêncio, os momentos de
maior atenção à presença de Deus, ou ainda as
repetições de orações breves, a oração
de Jesus, o rosário. Estes são alguns dos muitos métodos
para manter uma atitude contemplativa durante todo o dia, durante todas as
ocupações, aí se incluindo o trabalho.
Um ensinamento
constante da tradição monástica pelos séculos
é este: é-se contemplativo durante todos os aspectos de sua
vida ou não se o é em absoluto. Devo claramente ser contemplativo
na minha meia hora ou hora de oração silenciosa, como devo sê-lo
durante o Ofício Divino e durante o trabalho, qualquer que seja o tipo
de trabalho. Se não faço esforços para conservar uma
comunhão contemplativa com Deus durante meu trabalho, me iludo pensando
que seria transformado subitamente em contemplativo entrando na Igreja ou
me ajoelhando para minha meia hora de oração.
Um outro ensinamento
que consta da tradição é que a oração contemplativa
por excelência, e o contexto ideal para toda a experiência mística
é a liturgia. Os mais belos ensinamentos místicos de São
Bernardo e de nossos Padres cistercienses se acham em seus sermões
preparados para serem usados na Liturgia, ou, em todo caso, sobre os textos
bíblicos lidos durante a liturgia.
Isto é
sobretudo verdadeiro para a grande tradição mística,
mesmo fora do monaquismo. O mais importante dos autores místicos, aquele
que recolheu todo o ensinamento dos Padres antes dele e que influenciou todos
os místicos dos séculos seguintes foi certamente Dionísio,
o Aeropagita, ou o Pseudo-Dionísio. Ora, todo seu ensinamento místico
se acha num comentário sobre a Divina Liturgia e sobre a vida sacramental
da Igreja em particular.
Dom Jean Leclercq
publicou em 1963 (de quem mencionei o artigo anteriormente) um estudo sobre
os nomes da oração contemplativa (Jean Leclercq, Otia monastica.
Études sur le vocabulaire de la contemplation au Moyen Âge. Roma
[Studia Anselmiana, 48], 1963). Mostrou que a mais importante e a mais constante
de todas as expressões achadas na tradição para descrever
a oração contemplativa é "memoria Dei" (lembrança
de Deus). Não se acha, por exemplo, a palavra "contemplatio"
na Regra de São Bento; mas a "memoria Dei" é o primeiro
grau de humildade, e se encontra em toda a Regra.
Freqüentemente
se diz que o ensinamento de Bento sobre a oração é árido
e limitado. Sem dúvida isto se deve a querer ler a Regra com um espírito
muito diferente daquele com o qual ela foi escrita. Hoje se é muito
atento às experiências de oração que fazemos: ao
que se passa em nós enquanto rezamos ou tentamos rezar. Bento faz parte
de uma longa tradição de mestres monásticos, para quem
a qualidade da vida cotidiana, em todos seus aspectos, é mais importante
do que a "performance" no curso dos "momentos de oração".
A convicção subjacente é que a oração é
alguma coisa que "vem" bem naturalmente àquele que se esforça
por viver os ensinamentos do Evangelho na vida cotidiana. Bento facilmente
faria sua a palavra que Cassiano atribui a Santo Antão: "A oração
não é perfeita enquanto o monge estiver consciente ou de si
mesmo ou do conteúdo de sua oração."
Da mesma forma,
São Bernardo utiliza pouco a palavra "contemplação"
mas "lembrança de Deus" está no coração
de seu ensinamento. Escreve, por exemplo: "A lembrança de Deus
é o caminho para a presença de Deus. Quem quer que guarde os
mandamentos presentes no espírito, a fim de observá-los, será
recompensado a seu tempo pela percepção de sua presença."
(Sent 1.11; SBO 6b.8-17-21) (Ver artigo de Michael Casey sobre "Mindfulness
of God in the Monastic Tradition", Cistercian Studies 17 [1982], pp.
111-126).
Bernardo,
como Bento, está consciente do fato que, no mosteiro, os monges realizam
a dimensão contemplativa de sua vida de modos diferentes, segundo sua
vocação e segundo os papéis que são chamados a
desempenhar na comunidade. Fala de duas categorias de monges: os claustrales
e os officiales ou obedientiales, que chama também de obedientes. Os
claustrales são aqueles que não têm nenhuma responsabilidade
administrativa, os obedientiales são os que são chamados a suprir
diversos serviços na comunidade. Cada um é chamado a ser contemplativo
de um modo que lhe é próprio. Cada um deve praticar a memoria
Dei, e isto não quer dizer que ele deva pensar continuamente em Deus
de modo ativo, mas que deve espontaneamente fazer referência a Deus
em tudo o que pensa, faz e acontece.
Bernardo volta
mais de uma vez em seus escritos à tensão vivida por todos aqueles
que, na comunidade, têm importantes responsabilidades administrativas,
quer seja de ordem material, quer espiritual. Em primeiro lugar faz uma advertência
contra o perigo de aspirar a tais responsabilidades, mas ensina tamém
que para um monge que recebeu tais encargos, isto pode ser para ele a ocasião
de um despojamento radical que o faz renunciar a seu próprio lazer
e assumir uma grande parte do peso de preocupação da comunidade,
de modo que seus irmãos possam gozar da solidão e da paz. Esta
foi, sem dúvida, a vocação de Gérard, o irmão
de Bernardo e celeireiro de Claraval, a quem Bernardo paga um tal tributo
no seu Sermão 26 sobre o Cântico dos Cânticos.
Todos aqueles
que têm muito a fazer a serviço da comunidade devem se esforçar
para conservar suficiente tempo para a oração, a leitura e a
meditação. Mas isto não é suficiente e nem mesmo
é o essencial. O essencial é que toda nossa atividade seja enraizada
numa oração contemplativa, realizada num clima e num espírito
de oração, e nos leve sem cesssar a ela.
© Abadia
de Scourmont, 1999.
Traduziu: Cecilia Fridman, Rio Negro, PR, Brasil para o Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, 1999.
Traduziu: Cecilia Fridman, Rio Negro, PR, Brasil para o Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, 1999.
FONTE: Padresdodeserto.net
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